Falar de coisas passadas,
Antes de ser um dever,
Considero uma obrigação,
Que todos devemos ter.
Ainda mais quando a vitória,
Vem no bojo da história,
Dela ou daquele que a fez,
Por isso com alegria,
O que alguém me falou um dia,
Eu hoje conto a vocês.
Quando major Frederico fez
Da Nova Mujique, a maior agropecuária,
Que houve no Cariri,
Implantou na região, além da transformação,
E do progresso almejado,
Duas paixões prediletas:
Dar vez e voz aos poetas,
E expandir festas de gado.
Promoveu apartações,
Nas terras da sua empresa,
Protegeu os animais,
Preservou a natureza,
Semeou grandes Searas,
Açudes, Currais e Yaras,
Construiu e explorou,
E dentro do plano ecológico,
Fez um mini zoológico,
Para os bichos que adotou.
Da gaiola dos macacos tirou
Um símio nutrido,
Do canil tirou um cão filhote,
Recién-nascido.
Acostumou os dois,
Soltos no meio dos bois caminharem,
Lado a lado, até que seu Frederico,
Um dia ensinou o mico,
No cachorro andar montado.
Mandou fazer um conjunto
De arreios na cidade,
Todo em couro rebatido
De primeira qualidade.
O cabresto, a cela, a brida,
Fizeram sob medida,
Pra evitar incresia
Entre o mico Fedegoso
E o cachorro Veloso
Na hora da montaria.
No começo foi difícil,
No cachorro acostumar
Com aquele jeito estranho,
Do macaco se montar.
Teve até algumas cenas
Um tanto quanto obscenas
Por parte de Fedegoso
Que usou a malandragem
Querendo tirar vantagem
Da mansidão de Veloso.
Na labuta dos vaqueiros,
Por vales, serra e morro,
O macaco ia na frente
Esquipando no cachorro.
Nas festas de apartação,
Fedegoso de gibão,
Chapéu de couro e culote,
No seu cachorro montado,
Na passarela do prado
Desfilava de mascote.
Tinha no seu guarda-roupa:
Calça, paletó de linho,
Gravata, lenço de seda,
Camisa de colarinho.
Na gaveta tinha:
Pente, escova, pasta de dente
E um espelho arredondado
Que se carrega na bolsa,
Com o rosto de uma moça
Na retaguarda estampado.
Porém essa indumentária,
O macaco só usava
Quando ia a uma festa,
Ou aniversariava.
Aconteceu que um dia,
Inventaram na folia
Na Fazenda Mongeral
E o major foi convidado
Para um torneio de prado
Com todo seu pessoal.
Quando o dia amanheceu,
A vaqueirama chegou,
Cada um selou seu baio,
Depois se paramentou,
Arriaram o cão Veloso,
E nisso chegou Fedegoso,
Usando um terno de linho,
Um lenço azul na lapela,
E um gravatão de flanela
Por cima do colarinho.
Botou o pé no estribo,
Pulou em cima da sela,
Chamou Veloso na rédea,
Atravessou a cancela.
Lá no meio da estrada,
O cachorro fez parada,
Botou o focinho no chão,
Levantou-se em duas patas
E flechou dentro da mata,
Parecendo um furacão.
Só se ouviu o quebra-quebra
E o latido de Veloso,
O estalar de madeira
E os gritos de Fedegoso,
Assombrado com o que via.
A mata se contorcia
No furor da agressão,
Passaram o despenhadeiro,
Entraram num tabuleiro
E sumiram no chapadão.
Os homens foram no rastro
Do revirado assombroso,
Acharam logo a carteira
E o pente de Fedegoso.
Lá na frente acharam
O lenço num galho de pau suspenso,
Um pedaço da gravata
E o retrato da moça do espelho
Numa poça que a chuva deixou na mata.
Encontraram o picinez
Num garrancho de Pereiro,
Uma banda da camisa
Numa moita de espinheiro.
Num galho de catingueira
Tavam o cano da perneira
E o trancelim de Chico
Num galho de Mororó,
E um bolso de paletó
Num cotovelo de Angico.
Por fim encontraram a calça
Presa pelo cinturão,
Faltava achar o cachorro,
O macaco e a razão
Daquela coisa de louco.
Caminharam mais um pouco,
Tava o cachorro escorado
A um veado morto ao lado,
E o macaco sentado
Na plataforma dum toco,
Sentado de mão no queixo,
Pensando Deus sabe o quê.
Somente o nó da gravata
Era possível se ver,
O resto da vestimenta
Ficou na mata opulenta,
Entre rasgões e pancadas.
E agora desiludido,
O seu orgulho ferido,
Fugia dos camaradas.
O major disse:
– Se monte ligeiro e vamos embora.
Balançou ele a cabeça
Com quem diz não agora.
– Depois do que eu passei,
Nunca mais me montarei
Em bicho farejador
Que por besteira se altera,
Vai matar besta fera
Vira lata traidor!